domingo, 30 de janeiro de 2011

30 de Janeiro - Dia da Saudade...

Gente... faz alguns dias que não apareço por aqui. Mas li todos os posts de vocês (exceto claro, da Paula e da Isa... aliás, quem é que fez a Isa jurar com cuspe que participaria ativamente??????).
Eu ia postar uma mensagem sobre outro assunto... mas quando vi que hoje, 30 de janeiro, é Dia da Saudade... resolvi postar aqui um texto de um autor chamado Adriano Silva (ele escreveu um livro chamado "Homem Sem Nome" , que eu ainda não li). Acho que tomei conhecimento desse texto porque um trecho foi mencionado em alguma revista (talvez a Vida Simples? não lembro...). Aí resolvi buscar o texto todo e pensei, como pode essa pessoa que nem me conhece ter escrito tudo isso sobre mim??? Por isso eu adoro ler... parece que alguém tirou aquilo de dentro da gente e pôs no papel...
Eu me identifico com a descrição do texto. Sou definitvamente nostálgica. Acho que aos poucos fui aprendendo a lidar com isso... Hoje sofro menos, mas já sofri muito por achar que tinha sido tão feliz em um determinado tempo... que tudo que estivesse por vir não se igualaria... Felizmente, esse sentimento passou (ou ainda está passando...). Acho que era uma questão de momento de vida. Apesar da saudade... a gente tem que acreditar que o melhor está por vir certo?
Com muita saudades de vocês e de tudo que já vivemos juntas... segue o texto. Espero que gostem.

Gisele



Morro de Saudade (Adriano Silva)

"Sou nostálgico desde que me lembro. Tenho esse hábito de cultuar o passado há muito tempo. Com 9 anos chorei de saudade do ano em que tinha 7. Foi minha primeira crise de nostalgia. Percebo somente agora, enquanto escrevo, que o objeto daquela saudade precoce coincide com o último ano em que meus pais viveram sob o mesmo teto. Não me lembro de aquela saudade ter sido especificamente de ver meus pais juntos ou de enxergar a gente como uma família tradicional. Mas vai saber.

Desde aquela época é assim: tudo o que passa me dói muito. Uma dor funda, cálida, quase gostosa de sentir. Minha saudade não emerge apenas dos momentos bons. Qualquer passagem que tenha marcado minha trajetória, e que viva em mim como lembrança, tem o potencial de gerar um sofrimento nostálgico.

A dor da saudade é um evento físico. Um sofrimento pontiagudo que arrocha o peito, fecha a garganta, impõe uma bruta vontade de chorar sozinho. A saudade traz em si um escárnio: não há remédio para ela. E lamentar não adianta: não é possível voltar no tempo. A saudade é um desejo que, quanto mais fundo, mais impossível é de realizar. É um jeito que o tempo tem de nos dizer que ele é uma via de mão única e que as perdas são irreversíveis.

Às vezes sinto nostalgia do que estou vivendo hoje. Projeto a saudade que vou sentir amanhã do que está acontecendo agora. E já começo a sofrer. Minha capacidade melancólica chega a esse ponto. Ao menos, ela me impele a tentar viver ao máximo o presente. Porque a pior saudade é a daquelas coisas que você não viveu. A pior nostalgia é a daquelas coisas que você não fez. Aí o sentimento de impotência cresce, a sensação de que não é possível voltar fica mais insuportável. Ainda assim, já passou pela minha cabeça a seguinte questão: não será melhor viver menos intensamente, como estratégia para ter menos coisas do que sentir saudade no futuro?

Mas a saudade não é exatamente um desejo de voltar. A nostalgia não é a contrapartida de uma sensação de que a vida era melhor antes. A saudade, portanto, não é uma tentativa de instaurar o passado em detrimento do presente. A nostalgia é, antes, um jeito de tentar se agarrar em alguma coisa que suavize a queda livre.

Minha saudade é diáspora. São os amigos fundamentais que você teve um dia, que você amou tanto, e que hoje nem sabe por onde andam, o que fazem, quem são. E que você nunca mais verá. Saudade é esse sentimento cortante de perda, de desagregação, de desconexão, de amputação das coisas que lhe são mais caras.

Saudade é o irmão que você amava e que se foi para nunca mais voltar. É a memória do seu pai ficando a cada dia mais distante, mais difusa, menos real. Saudade é o desejo de poder abraçar de novo sua avó, e lhe dar um beijo e sentir outra vez a maciez dos seus cabelos. Saudade é a dor sem chance de solução de todas essas impossibilidades.

Minha saudade é também o desejo, igualmente irrealizável, de voltar a ser aquele menino que via o mundo com doçura e cor, ao lado do irmão, em cima do colo da avó, de mãos dadas com o pai. Saudade não é só a falta dos outros. É a falta da gente mesmo, do que fomos, dos grandes momentos por que passamos. É o vazio deixado por um tempo que não existe mais, quando várias portas que se fecharam com o passar dos anos ainda estavam abertas.

Minha saudade também tem um pouco de covardia. Porque o amor ao passado é o amor a um tempo dominado, conhecido. Enquanto o presente implica riscos, desafios e exige esforço, e o futuro é um espaço disforme com tudo por construir, o passado é um refúgio sereno e controlado. Especialmente porque a memória edulcora tudo. Mesmo as lembranças que não são tão boas ganham, com o tempo, um belo incremento de sabor e harmonia. O que os nostálgicos cultuam são geralmente visões idealizadas do que passou.

Minha saudade é vertigem, é mudança. É perceber que não é possível congelar nenhum momento no tempo. Tudo está passando. Eu, você, nossos pais, nossos filhos. Saudade é tentar trancafiar perto da gente aquilo que amamos, é tentar interromper os fluxos para eternizar numa fotografia aquilo que nos faz falta. Saudade é essa vontade de estar junto, de ficar junto, de ficar mais, de parar o tempo para que a gente não precise se separar nunca.

Minha saudade é uma reação desesperada a esse fluxo inexorável em direção ao esquecimento. À medida que a gente avança na vida, vai deixando um rastro de emoções para trás. São as marcas que deixamos pelo caminho - e que o tempo se ocupa de apagar. Há situações fundamentais, que definiram quem eu sou hoje, que já não têm condições de acontecer, de se repetir. O apego ao passado é também o desejo de continuar vivo, de estender a vida, de não deixá-la correr tão impunimente para o fim. É um jeito de dizer: "pára, dá meia-volta, eu quero descer, ficar um pouco mais, voltar atrás, viver de novo".

Esse é o desespero, para os nostálgicos. Cada recordação querida surge, gera uma faísca, dura um átimo e vai embora para sempre. E cada uma dessas perdas nos lembra que é exatamente isso o que está acontecendo conosco. E a angústia que você sente diante dessas lembranças será tão particular que você não conseguirá dividi-la com ninguém. A saudade será sempre uma dor confinada dentro de você. Um sofrimento pessoal e intransferível. Que a gente carrega como sina.

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